segunda-feira, 28 de março de 2016

Sobre as almas

Engana-se quem acredita que somos alma, essencialmente
Somos corpo.
Somos os nossos corpos.
Nós acabamos. As almas ficam - nada de sobrenatural nisso.
O misticismo da realidade absurda que me penetra pelos meus sentidos, esse é o único que eu (em êxtase) preciso, ou quero.
Tentar logicionar, pseudocientificizar algo que não pertence aquele domínio é miopia, em definição -metafórica;
Religião burra é aquela que dissolve os mistérios, precisamente perde todo seu poder.
Somos seres místicos, sim. É assim que somos nas nossas entranhas.
Nos movemos por metáforas e símbolos.
O que acontece abaixo de nossa pele é mágica, não fomos nós que descobrimos como fazer mágica - ela nos fundou.
Podemos sim redescobri-la, podemos nos tornar habilidosos mágicos e bruxas. Estaremos falando a nossa língua materna. Da simbologia ancestral, nos conectando com nossos antepassados naturais.

As almas nos animam como um roteiro anima o ator,
O ator empresta o corpo para sentir os sentimentos costurados à história (desafio alguém a encontrar algo em nós que não seja história), como um bordado na margem de uma toalha;
Mas está errado: nós animamos as almas e não o contrário
com nosso corpo e calor
As almas são histórias, mitos, criadas em tempos longínquos, em alguma fornalha de criar almas
Nesse mesmo momento, também começaram as fissuras
Elas são histórias, são mitos. Nós somos reais.
Se como homens e mulheres que somos, temos uma alma que chamamos de 'minha', só o fazemos porque estamos vivos para testemunhar,
ao contrário das histórias e das almas, que não tem luz própria, as vemos e contemplamos por reflexão.

O corpo é real - o arrepio, o calor no peito, o aperto, o toque, o calafrio, o prazer, o gosto na língua, a pertubação sensorial ascendente da fricção do sexo. O batimento do coração na barriga, o suor frio nas mãos, o frio na espinha, as "chunchadas", febres internas, tremores. Boca seca, coceira no olho, dores de cabeça e cólica abdominal. Nós somos um saco de sensações desconexas, que foram fazendo sentido na topografia da nossa pele e nas as consistências do subsolo. O toque continuo unifica as partes e os tipos de sensação. Integra tudo num relevo de sentido.

Este corpo, e só ele, sente, só ele ama, sente prazer ou dor, só ele chora ou gargalha, só ele mente e se apaixona. Aceitar o corpo não é uma escolha, é um fato. A experiência subjetiva se sentir-se em um corpo é o que nos separa de qualquer máquina que inventamos, simples ou complexa. O mistério do sentir.

E prossigo a dissecção em busca da verdade.
Com meu bisturi de prata
Rasgando a minha própria carne, em revolta
Eu lhe digo, disse ela, ainda vou lhe encontrar, menina.